sábado, 10 de abril de 2010

Enrique Leff


Enrique Leff.
Petrópolis, Vozes, 343 p., 2001.

Enrique Leff, doutor em Economia do Desenvolvimento pela Sorbonne, desde 1986 coordena a Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe, do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Leff leciona Ecologia Política e Políticas Ambientais na UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México). Nesta obra, o autor apresenta 23 capítulos que tiveram origem em notas, exposições e escritos elaborados nos últimos dez anos. Os textos foram revisados e retrabalhados, sintetizados ou ampliados para compor um caleidoscópio no qual, como ele mesmo diz, "o conceito de ambiente adquire novas luzes e matizes, no qual os reflexos de cada tema sobre os outros vão delineando novas vertentes e abrindo novos campos de aplicação".

No subtítulo do livro constam os conceitos de sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder e, em quase todos os textos retrabalhados, estes termos reaparecem. Leff discute temas como globalização, ambiente e desenvolvimento, democracia ambiental, ecologia produtiva, ética ambiental, direitos culturais, modernidade e pós-modernidade, sociologia do conhecimento e racionalidade ambiental, psicanálise, interdisciplinaridade, educação ambiental, demografia, qualidade de vida, desenvolvimento e, especialmente, a formação do "saber ambiental".

Leff define o ambiente como uma "visão das relações complexas e sinérgicas gerada pela articulação dos processos de ordem física, biológica, termodinâmica, econômica, política e cultural". Este conceito ressignifica o sentido do habitat como suporte ecológico e do habitar como forma de inscrição da cultura no espaço geográfico. A partir deste ponto de vista, o autor toma uma posição frontalmente contrária ao "fato urbano", por considerálo insustentável. A cidade, diz Leff, converteu-se, pelo capital, em lugar onde se aglomera a produção, se congestiona o consumo, se amontoa a população e se degrada a energia. Os processos urbanos se alimentam da superexploração dos recursos naturais, da desestruturação do entorno ecológico, do dessecamento dos lençóis freáticos, da sucção dos recursos hídricos, da saturação do ar e da acumulação de lixo. O autor vê na urbanização uma expressão clara da acumulação de capital e considera a globalização da economia a maior evidência do contra-senso da ideologia do progresso. Passou-se de um processo de geração de estilos de vida para um outro, de acumulação de irracionalidades (tráfico, violência, insegurança). A urbanização como via inelutável do desenvolvimento humano é questionada pela crise ambiental, que discute a natureza do fenômeno urbano, seu significado, suas funções e suas condições de sustentabilidade. Este é um dos posicionamentos mais enfáticos do autor. Ele considera a cidade a entidade mais resistente à reconstrução e relocalização. Tecnologias, indústrias, práticas agrícolas se renovam enquanto a cidade torna-se mais firmemente entrópica, como sintoma das "deseconomias de congestão". Neste sentido, ainda que se concorde em grande medida com o autor, cabe questionar a ausência na sua obra de uma temática inerente ao processo entrópico da urbanização, mas com um sinal invertido, de neguentropia: as novas tecnologias de comunicação, com sua revolução digital. Não seria a internet uma ferramenta de desconcentração das cidades e portanto de sua renovação? De forma mais ampla, se empresas e tecnologias são convertidas pelos critérios da ecologia política, não haveria neste processo uma conseqüente renovação também das cidades? Com efeito, por mais terríveis que sejam os casos que lembram a cidade de Cubatão (SP), como os de anencefalia, é plausível compará-los criticamente com os projetos que fizeram de Curitiba uma cidade-referência no mundo.

Nos textos de Leff, o confronto entre duas racionalidades, a econômica ou tecnológica, por um lado, e a ambiental, por outro, assumem uma espécie de poder cognitivo condicionante da dinâmica global, com repercussões nas instâncias nacionais e infranacionais. A primeira caracteriza-se por sua capacidade de destruição, de entropia, de degradação dos ecossistemas e da maioria da população, enquanto a segunda caracteriza-se por sua complexidade, por suas inter-relações sistêmicas, científicas, econômicas, sociais e políticas. Por mais que o autor mostre consciência da complexidade da realidade, que não se deixa apreender por "lógicas abstratas", o confronto estabelecido entre as duas racionalidades ganha um contorno um tanto dualista, e talvez até reducionista. Leff argumenta, sob a perspectiva ambiental do desenvolvimento sustentável, que as contradições entre a lógica do capital, os processos ecológicos e os sistemas vivos "não resultam da oposição de duas lógicas abstratas; sua solução não consiste em subsumir o comportamento econômico na lógica do vivo ou em internalizar – como um conjunto de normas – as condições de sustentabilidade ecológica na dinâmica do capital". Afirma que as contradições entre racionalidade ecológica e a racionalidade capitalista se dão por meio de um confronto de diferentes valores e potenciais, arraigados em esferas institucionais e em paradigmas de conhecimento, e por meio de processos de legitimação com que se defrontam diferentes classes, grupos e atores sociais. A racionalidade ambiental, segundo ele, não é a expressão de uma lógica, mas o efeito de um conjunto de interesses e de práticas sociais que articulam ordens materiais diversas "que dão sentido e organizam processos sociais através de certas regras, meios e fins socialmente construídos". A racionalidade "ambiental" é, afinal, apresentada como "social". Portanto, não seria o caso de falar-se de uma racionalidade "socio-ambiental"? Para Leff, a categoria "racionalidade ambiental" vai além disso e é construída mediante a "articulação de quatro esferas de racionalidade" (que são analisadas no capítulo 9): substantiva, teórica, instrumental e cultural. Este processo de articulação de esferas de racionalidade vai legitimando a tomada de decisões, dando funcionalidade à racionalidade ambiental. Desta forma, conclui o autor, nas práticas de apropriação e transformação da natureza se confrontam e amalgamam diferentes racionalidades: a do tipo capitalista de uso dos recursos; a racionalidade ecológica das práticas produtivas e a dos estilos étnicos de uso da natureza. Para ele, a desconstrução da racionalidade capitalista requer a construção de outra racionalidade social. É a partir deste lugar de externalidade e marginalidade que lhe atribui a racionalidade econômica que o paradigma ambiental projeta seus juízos éticos, seus valores culturais e seus potenciais produtivos sobre os efeitos da produtividade e do cálculo econômico guiado pelo "sinal único do lucro".

É na construção da racionalidade ambiental desconstrutora da racionalidade capitalista que se forma o "saber ambiental". Este pressupõe a integração inter e trans-disciplinar do conhecimento, para explicar o comportamento de sistemas socioambientais complexos e, também, problematizar o conhecimento fragmentado em disciplinas e a administração setorial do desenvolvimento. Tudo isto para construir um campo de conhecimentos teóricos e práticos orientado para a rearticulação das relações sociedade-natureza. O saber ambiental, na visão de Leff, excede as "ciências ambientais", constituídas como um conjunto de especializações surgidas da incorporação dos enfoques ecológicos às disciplinas tradicionais (antropologia ecológica, ecologia urbana, engenharia ambiental, etc). O saber ambiental abre-se para o terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais. Emerge do espaço de exclusão gerado no desenvolvimento das ciências, centradas em seus objetos de conhecimento, e que produz o desconhecimento de processos complexos que escapam à explicação dessas disciplinas. Exemplo disso, aponta o autor, é o campo de externalidades no qual a economia situa os processos naturais e culturais, inclusive a desigual distribuição de renda. Em síntese, o saber ambiental é concebido como um processo em construção, complexo, por envolver aspectos institucionais tanto de nível acadêmico – contrariando os "paradigmas normais" do conhecimento – quanto de nível sociopolítico, por meio de movimentos sociais e de práticas tradicionais de manejo dos recursos naturais.


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